Seja nas sociedades maias
ou astecas do México, ou entre os incas do Peru, há poucos registros sobre a
vida sexual na época pré-colombiana. Essa é uma das razões do interesse pela
rara coleção de arte erótica do Museu Rafael Lar co Herrera, que funciona em num
palacete do século 18, em Lima, e reúne mais de 45 mil objetos. Ao chegar ao
museu, os turistas descobrem que o sexo é apenas um dos temas intrigantes de
civilizações com mais de cinco mil anos de história.
artefato com mulher fazendo felação (sexo oral) no homem. (200 a.C - 200 d. C)
Reinaugurado em setembro de
2010, depois de uma criteriosa reforma, o museu exibe peças em estantes
fechadas por vidros, catalogadas por época e por cultura, recuando até 8.000
a.C.. tecidos, cerâmicas, vasos, flechas, estátuas, joias e objetos de ouro e
de prata. Os detalhes arquitetônicos
do prédio chamam atenção, como a pedra da soleira das portas e o piso de
madeira antiga das áreas de exposição, que dialogam com as peças e revelam que
o museu é a casa de um colecionador aberta ao público. Construída sobre uma
pirâmide pré-colombiana do século 7, a propriedade foi comprada já com o
intuito de expor o acervo privado de um dos pioneiros da arqueologia peruana,
Rafael Larco Hoyle.
Garrafa da cultura virú (200 a.C - 200 d.C). Homem e mulher transando.
Nascido no Vale de Chicama,
perto da cidade de Trujillo, Larco Hoyle passou a vida colecionando vestígios
de civilizações passadas no norte do país. Para homenagear seu pai, Rafel Larco
Herrera, que também promovia a arqueologia peruana, Hoyle fundou o museu em
1926, na fazenda da família, em Chiclin, e mais tarde o transferiu para o
palacete de Lima.
Garrafa da cultura salinar (200 a. C - 200 d. C) Mulher acaricia o órgão sexual masculino.
As 45 mil peças reunidas
integram uma espécie de livro dos mortos pré-colombiano. Quase todas foram
encontradas em tumbas e estão ligadas a práticas funerárias e de sacrifício.
Cada uma à sua maneira, seja pela forma, pelo material ou pelos desenhos, conta
algo sobre as culturas ancestrais da região. Uma ânfora de cerâmica, por
exemplo, revela hipóteses sobre a guerra, o poder dos xamãs e as divindades.
Vaso mochica (100 a.C - 800 d.C) Mortos com pênis ereto, uma alusão à continuidade da potência dos ancestrais.
Nos desenhos, há profusão
de imagens sobre o sacrifício humano, que não abatia apenas os vencidos, mas
também caía sobre mulheres e crianças, cujo coração era retirado. A oferenda
aos deuses visava manter o mundo em equilíbrio. Sacerdotes e xamãs,
intermediários entre a sociedade dos vivos e os outros mundos, exibem peles,
plumas e objetos rituais ligados à ingestão de substâncias alucinógenas, usadas
desde 1.500 a.C.
Artefatos com casais fazendo sexo. (500 a. C- 500 d. C)
Quando se fala em
civilizações pré-colombianas peruanas, pensa-se logo nos incas. "O
equívoco acontece sempre", diz a arqueóloga Ulla Holmquist, curadora do
museu. O império incaico durou apenas um século, mas marcou a história porque
era a cultura dominante que os espanhóis encontraram ao se instalarem no Peru
no século 16. "Os incas duraram três ou quatro gerações, enquanto a
presença humana no país tem mais de dez mil anos. A domesticação dos animais e
a agricultura começaram em 7.000 a.C. As sociedades sedentárias se consolidaram
entre 3.000 a.C. e 2.500 a.C. Portanto, é uma história bem mais longa."
Artefato com mulher tendo um parto (300 a.C - 300 d. C)
A mais antiga sociedade do
Peru foi a civilização caral, que floresceu ao longo da costa do Pacífico entre
3.000 a.C. e 1.800 a.C. Há indícios de presença humana recuando até 10.500 a.C.
Depois da cultura caral, há camadas de culturas arqueológicas distintas:
cupisnique, salinar, chavin, paracas, virú, mochica, nazca, huari, lambayeque e
chimu. Só depois dos chimus vieram os incas que criaram um Estado baseado na
agricultura em terraços, irrigação, pecuária de lhamas e vicunhas e pesca - uma
sociedade sem mercado nem dinheiro.
Garrafa com casal mantando relações sexuais. (500 a. C - 200 a. C)
Em 1524, a varíola,
introduzida a partir do Panamá, devastou o império antecipando a conquista
empreendida por Francisco Pizarro, que derrotou e executou o Sapa Inca
Atahualpa, em 1532. Dez anos depois, a coroa espanhola estabeleceu o
vice-reinado do Peru controlando todas suas colônias na América do Sul. O ouro e a prata inca
atraíram a cobiça dos espanhóis que conquistaram o Peru em 1532. Vasos, cerâmicas, estátuas,
joias, tecidos e flechas, num total de 45 mil objetos oferecem um panorama das
civilizações pré-colombianas.
Mulher fazendo felação no homem.
Mortos-vivos
Holmquist ressalta que a
arte erótica é apenas uma das manifestações vitais da arte pré-colombiana.
Muitas culturas dividiam a vida entre o mundo dos vivos e o dos mortos, um
exterior e outro interior, invisível. "Achar que aqui temos uma espécie de
Kama Sutra pré-colombiano revela a nossa visão ocidental a do sexo e não a de
pessoas que viviam em outra época com conceitos diversos."
Muitas cenas retratadas
remetem à sociedade dos mortos. A maior parte dos objetos pertence à cultura
mochica, que colonizou os vales do Norte, entre 300 a.C. e o ano 1.000. Os
mochicas não chegaram a constituir um Estado ou uma unidade política que
integrasse os centros populacionais, apesar da extensão da sua civilização e do
tempo que perduraram. Para eles, os ancestrais seguiam fertilizando a terra e
assegurando a continuidade do ciclo produtivo,no mundo invisível no qual viviam
após a morte. Aí continuavam a cantar, a dançar e a manter relações sexuais.
Muitas cenas mostram práticas sexuais tradicionais como masturbação e felação.
Segundo os antropólogos, os mortos expeliam sêmen, embora a fecundação não
fosse mais possível.
Garrafa mochica de Lima. (100 a.C. - 800 d.C.).
"Os seres do passado
são considerados seres sociais que possuem desejos", explica o antropólogo
alemão Jürgen Golte, especialista na América andina. "Eles viviam
conflitos, sentiam repugnância, atração, estabeleciam alianças, faziam
oferendas, feriam, assaltavam e violavam. O cosmos sociomorfo era um cosmos de
seres ativos." Para Golte, o sentido das imagens legadas não é de simples
decifração. "O Kama Sutra dos andinos carece de um prazer expresso
aparente. Mas isso não significa que eles não tivessem prazer", ressalta.
Os vestígios arqueológicos expostos no Museu Larco recuam até 8.000 a .C.
Fontes: Revista Planeta, dezembro de 2011.
Site do Museu. www.museolarco.org
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