O mais lido dos
escritores brasileiros (100 milhões de exemplares em 150 países e 66 idiomas,
um fenômeno que mereceria estudo) dá um descanso ao esoterismo, para conduzir o
leitor com sua prosa leve até o desfecho surpreendente. Veja só.
Depois de fazer a Revolução Russa, acabar com as
diferenças de classes sociais e dedicar sua vida inteira ao comunismo, Lênin finalmente morre. Por ser ateu e ter
perseguido os religiosos, termina sendo condenado ao inferno.
Ao chegar lá, descobre que a situação é pior que na
Terra: os condenados são submetidos a sofrimentos incríveis, não há alimento
para todos, os demônios são desorganizados, Satanás comporta-se como um rei
absoluto - sem qualquer respeito por seus empregados ou pelas almas penadas que
agüentam o suplício eterno.
Lênin, indignado, rebela-se contra a situação:
organiza passeatas, faz protestos, cria sindicatos com diabos descontentes,
incentiva rebeliões. Em pouco tempo, o inferno está de cabeça para baixo:
ninguém respeita mais a autoridade de Satanás, os demônios pedem aumento de
salário, as sessões de suplício ficam vazias, os encarregados de manter acesas
as fornalhas fazem greve.
Satanás já não sabe o quer fazer: como seu reino
pode continuar funcionando, se aquele rebelde está subvertendo todas as leis?
Tenta um encontro com ele, mas Lênin, alegando não conversar com opressores,
manda um recado através de um comitê popular, dizendo que não reconhece a
autoridade do Chefe Supremo.
Desesperado, Satanás vai até o céu conversar com
São Pedro.
– Vocês lembram aquele sujeito que fez a revolução
russa? – diz Satanás.
– Lembramos muito bem – responde São Pedro. –
Comunista. Odiava a religião.
– Ele é um bom homem – insiste Satanás. – Mesmo que
tenha seus pecados, não merece o inferno; afinal, procurou lutar por um mundo
mais justo! Na minha opinião, ele devia estar no céu.
São Pedro reflete algum tempo.
Acho que você tem razão – diz finalmente. – Todos
nós temos nossos pecados e eu mesmo cheguei a negar Cristo por três vezes.
Mande ele para cá.
Louco de contentamento, Satanás volta para sua casa
e envia Lênin direto para o céu. Em seguida, com mão de ferro e alguma
violência, termina com os sindicatos de demônios, dissolve o comitê de almas
descontentes, proíbe assembléias e manifestações de condenados.
O inferno volta a ser o famoso lugar dos tormentos
que sempre assustou o homem. Louco de alegria, Satanás fica imaginando o que
deve estar acontecendo no céu.
“Qualquer hora São Pedro vai estar batendo aqui,
pedindo que Lênin retorne!”, ri consigo mesmo. “Aquele comunista deve ter
transformado o paraíso em um lugar insuportável!”
O primeiro mês passa, um ano inteiro passa, e
nenhuma notícia do céu. Morto de curiosidade, Satanás resolve ir até lá para
ver o que está acontecendo.
Encontra São Pedro na porta do Paraíso.
– E aí, como vão as coisas? – pergunta.
– Muito bem – responde São Pedro.
– Mas está tudo mesmo em ordem?
– Claro! Por que não haveria de estar?
“Este cara deve estar fingindo”, pensa Satanás.
“Vai querer me empurrar Lênin de volta”
– Escuta, São Pedro, aquele comunista que eu
mandei, tem se comportado bem?
– Muito bem!
– Nenhuma anarquia?
– Pelo contrário. Os anjos são mais livres que
nunca, as almas fazem o que bem desejam, os santos podem entrar e sair sem hora
marcada.
– E Deus, não reclama deste excesso de liberdade?
São Pedro olha, com uma certa piedade, o pobre
diabo a sua frente.
– Deus? Camarada, Deus não existe!
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